Abstract
O texto consiste em uma tradução do artigo Penser l’après : Sciences, pouvoir et opinions dans l’après Covid-19 escrito pela professora e filósofa de ciências Bernadette Bensaude-Vincent. A tradução foi autorizada pela autora e sua eventual publicação deve seguir as diretrizes do jornal The Conversation, no qual o artigo foi originalmente publicado. A partir das medidas implementadas mundialmente para o combate ao coronavírus, a autora analisa o vínculo entre as comunidades científicas e o governo. A gestão da crise sanitária, segundo Bensaude-Vincent, baseia-se não só em dispositivos atuais, mas recorre a um modelo bastante arcaico: o confinamento generalizado. A diferença, segundo a filósofa, estaria no fato de hoje tal medida visar a salvar, sobretudo, o sistema hospitalar. Tal contexto nos remete a imagens de um passado que se considerava superado, lançando, assim, uma dúvida sobre o vínculo entre ciências e poder das últimas décadas. Os interesses locais, políticos, econômicos, religiosos e mesmo os interesses e valores dos próprios pesquisadores mostram-se, por vezes, incompatíveis com o “dever do ceticismo organizado que resta como um dos grandes princípios do éthos científico”. Daí a desconfiança do público que, por sua vez, é reduzido ao silêncio por pertencer ao inferior âmbito da doxa. A ideia de uma hierarquia na ordem do conhecimento que estabelece a opinião como um saber inferior não é nova, no entanto, segundo a autora, para os antigos isso não implicaria, como atualmente, uma hierarquia política. Bensaude-Vincent convoca, assim, a reabilitação dos "saberes de campo não científico como fontes de invenção e de soluções" em regime, como o nosso, de incerteza.