Abstract
Quem se aventurar a ler alguns dos mais diversos trabalhos no campo dos «estudos animais» encontrará citada com frequência uma célebre frase de um antropólogo francês, cuja reprodução fora do contexto originário se revela tão poética quanto esclarecedora, segundo a qual as espécies são escolhidas não por serem boas para se comer, mas porque são boas para se pensar (bonnes à penser) — uma afirmação que, em tradução, foi parafraseada e convertida no aforismo «os animais são bons para se pensar com» («good to think with»). A redacção da frase é sintomática de um fenómeno, certamente mais interessante do que a indisciplina hermenêutica que autorizou a sua ocorrência, que poderia ser contido no problema geral das tentativas de pensar e descrever aquilo que nos rodeia através de palavras e conceitos (e as multímodas visões do mundo por estes encerradas); o problema, evidentemente, é que esse fenómeno, tal como formulado, acaba por ser de um espectro tão lato que sob ele quase tudo poderia ser contido.
O que é curioso no «pensar com» (espécies) é a associação do verbo a um complemento de companhia, o vínculo que na expressão mencionada transparece entre o pensar e o objecto do pensamento, a transitividade de uma actividade cuja ideação típica é solitária, abstracta e tendencialmente universal e que, pelo contrário, surge aqui acompanhada, versando particulares. De todas as espécies do reino Animalia que seriam candidatas para falar de algumas relações entre o pensar e o seu objecto (que, sublinhe-se, tem um carácter discricionário), a breve nota que se segue — ainda que sem grandes preocupações taxonómicas — elege o filo Chordata, mais especificamente a classe Aves, como ponto de partida para pensar com.