Abstract
O artigo busca explicitar o diagnóstico elaborado por Adorno no período pós-guerra, segundo o qual o conceito tradicional de ideologia teria perdido seu objeto no mundo totalmente administrado. Se nos termos marxistas tradicionais a ideologia funcionava a um só tempo como falsa consciência e promessa não cumprida, enquanto que o desencadeamento das forças produtivas, por sua vez, era tomado como a mola material para a realização dos conteúdos normativos contidos na ideologia burguesa, então o diagnóstico de Adorno segundo o qual no capitalismo tardio as relações de produção assumem certa primazia diante das forças produtivas vem para abortar a vigência dessa noção tradicional de ideologia. No mundo administrado, a ideologia não estaria mais nas objetivações espirituais que operam como um véu sobre as relações materiais, mas, nos termos de Adorno, seria o próprio “rosto assustador do mundo”, o que faz ideologia e realidade “correrem uma em direção à outra”. Tudo se passa como se a atual consciência do capitalismo contemporâneo não mais legitimasse seus processos por meio de sua escamoteação ideológica, mas enunciasse seu próprio fundamento econômico com força apologética, fazendo da realidade sua própria ideologia. Neste texto, buscaremos reconstruir essa ideia com mais detalhe.