Abstract
No livro Homo Modernus: para uma ideia global de raça (= HM), Denise Ferreira da Silva fornece uma interpretação do pensamento de Hegel no contexto de uma narrativa que visa explicar as condições de possibilidade filosóficas daquilo que ela chama de analítica da racialidade, a saber, um conjunto de ferramentas científicas (tais como "diferença racial", "diferença cultural", "miscigenação", "hibridagem"), nas quais está assentada a opressão racial. Contudo, esta não é a única dimensão da relação de Ferreira da Silva com o pensamento de Hegel, e no presente artigo me proponho a destacar um outro aspecto da confrontação da autora com a obra do filósofo alemão. Se HM pode ser interpretado como uma grande análise dos pressupostos teóricos da analítica da racialidade, de sua configuração, e de seus efeitos no atual cenário de opressão racial/global, o livro A dívida impagável (= ADI) me parece delinear uma tentativa de fundamentação de um projeto que ao mesmo tempo denuncie o horizonte teórico que originou a atual opressão racial/global e forneça as bases para um "pensar outra-mente" – entendendo com este conceito, ao mesmo tempo, pensar a subjetividade fora da tese da transparência e da distinção entre Eu transparentes e Eu afetáveis (pensar "uma outra mente", ou melhor, além do conceito de mente), bem como pensar em geral uma outra configuração ontoepistemológica, um outro mundo que possa abrigar tanto as demandas para a emancipação racial/global como projetos emancipatórios eficazes. O conceito hegeliano de Ding (= coisa) – figura entre as referências centrais para este projeto. Os objetivos deste artigo serão, portanto, I) traçar as linhas fundamentais do "pensar outra-mente", II) compreender a apropriação do conceito hegeliando de Ding da parte de Ferreira da Silva, e III) destacar a relação entre estes dois pontos.