Abstract
Da aposta freudiana na possibilidade de construção de um modelo naturalista da mente - que, entre outras coisas, possa tornar inteligível a relação entre o psíquico e o somático - resulta sua teoria do aparelho psíquico e toda a reflexão metapsicológica que em torno dela se organiza. Essa aposta traz, contudo, como consequência, a dificuldade aparentemente insuperável da metapsicologia em abordar satisfatoriamente a consciência nos termos do naturalismo psicológico pretendido por Freud. Desde essa perspectiva, a teoria freudiana encontra-se em situação semelhante àquela que pode ser diagnosticada hoje no campo das ciências cognitivas. Estas, tomadas em seu conjunto, consistem na retomada de um projeto naturalista para a psicologia, em que a construção dos modelos cognitivos da mente pretende ter alcançado soluções não controversas para o problema mente-corpo, ao preço de excluir de sua abordagem a experiência consciente e a dimensão subjetiva do mental, dando ensejo ao surgimento do que se pode designar como o "problema mente-mente", segundo a expressão de Ray Jackendoff. O objetivo deste trabalho é discutir essa convergência, o alcance e as limitações de uma abordagem naturalista em psicologia, e a relativa atualidade de que a epistemologia freudiana se reveste quando considerada nesse contexto.