Abstract
ENSAIO DISPONIBILIZADO NA REVISTA GUARU (2021): A luz adentra as cavernas e mostra imagens nas pedras. A mera aparência, quimera. Vemos no fundo perfis da verdadeira experiência da necessidade da caça em uma natureza vivida na nudez de seus ciclos e humores, sem controle. Nossos olhos aterram-se em javalis, búfalos-anões, bisões, cavalos, humanos-bichos, contornos de mãos – rastros de animais mágicos cujo vigor permanece nos traços gravados em pigmentos pretos e avermelhados. Temos diante de nós a descoberta de uma forma de expressão a perdurar nas paredes que guardam o exercício nascido antes das coisas terem nomes, exercício agora chamado arte rupestre. No janeiro de um ano em que uma humanidade recolhida entre suas paredes finas experimenta a dureza de uma natureza alheia – a colocar no espelho a hostilidade secular a ela imposta –, tomamos ciência do encontro das mais antigas expressões figurativas produzidas por nossos antepassados em uma caverna na Indonésia. Em meio à perplexidade, apenas de posse de uma tecnologia que já não apazigua a ausência de controle, descobrimos na ilha de Sulawesi, na caverna de Leang Tedongnge, pinturas de cerca de 45 mil anos que fazem a história da arte deslocar-se e recuar.